terça-feira, 11 de janeiro de 2011

UM CONTO DE DENTISTAS

Ontem mesmo eu me lembrei de ligar para ele. Mas não tive coragem.

Coragem, eu acho é coisa que surge de repente. E vai embora rápido. Preciso sempre aproveitar o momento em que a coragem esta em mim. Não, acho que isso é coisa só minha.
Ou eu posso, na verdade, chamar isso de impulso?!
Não importa. Ao menos um dia eu tive coragem. E falei. Quer dizer... comecei a falar.
Ele sentou-se na cadeira ao meu lado para ter uma conversa particular comigo. Eu pensei que era para ser o que eu esperava e queria ouvir dele.
Ele chegou de mansinho, sorrindo.
Ah, aquele rosto moreno, cheio de vida e de esperanças revividas.
Fez de mim sua confidente e nada mais. Como nada mais?! Isso é algo muito importante.
Mas... eu queria mais, muito mais.
Agora estou aqui, sentada na cadeira. Escrevendo essas palavras que ninguém mais vai ler.
Acho que nem eu. Nem eu vou ler.


Os anos passam na vida dela. Anos que passam num instante. Ela nem sente o tempo passar. Tem vezes que ela acha que o tempo não existe. Mas isso é bobagem, os relógios estão presentes para atestar a existência do tempo.
Não consegue dormir e por isso resolve fazer algo de útil já que ficar rolando na cama lhe parece uma estupidez. Se levanta e começa a mexer em sua gaveta. Abre e vê um DVD que esta sem título, ela o pega e liga o computador.
O conteúdo é uma antiga escrita que ela produziu para ninguém ler, nem mesmo ela e que agora ela estava lendo. Começa com “Ontem mesmo eu me lembrei de ligar para ele.” E termina com “Nem eu vou ler.”
- Espere – fala para si mesma – quem era esse homem? De quem eu estava falando mesmo?!
Acaba adormecendo em cima do teclado e no dia seguinte acorda, atrasada e sai rapidamente, engolindo uma xícara de café e comendo biscoitos pela rua. Apressada ela pega o ônibus.

Chega no trabalho e chateada e distraída esbarra ruidosamente numa senhora. As compras dessa senhora caem todas no chão. Ela é xingada de todas maneiras absurdas e se dirige ao elevador mais irritada ainda.

Chega no seu andar. E quando vai entrar na sala onde ela é dentista, ela vê um de seus pacientes discutindo cheio de raiva com a sua secretária.
Vê outros pacientes olhando para ela com expressão impaciente.
Sem se deixar abalar ela se dirige para o consultório e comunica a secretária que mande entrar o primeiro paciente.
A secretária avisa que o primeiro paciente se cansou de esperar. Entra então o homem que estava discutindo com a secretária.

- Não vai doer não, Né, doutora?
- Não. Tenha confiança...
- “Tenha confiança em mim?!”
- Ahmm...
- Estou reconhecendo essa voz. Você quase mudou muito. Cabelos curtos e grisalhos.
Amanda fica irritada ao ser mencionado os seus fios grisalhos. Mas afinal porque ela insistir em não dar mais atenção à sua aparência, já que ela se ressente tanto quando mencionam esses pontos que para ela são dificeis de encarar de frente. Amanda é Impulsiva talvez devido à sua insegurança. 
- Não estou reconhecendo...
- Esqueceu?! Do curso de Odontologia?
- Seu nome... é...
- Ma...
- Ah, Mario Marcio.
Mario Marcio franziu a testa. Ele não gosta de ser chamado pelos seus dois nome composto.
-E... sou eu.
Ele continua moreno e com alguma esperança.
E a Milena?!
- Nos separamos. Tivemos um filho. Ele agora esta estudando em Brasília - declara isso sorrindo de mansinho.
-Eu até perdi a conta das vezes em que me casei.
- Você era tão timida.
- É, mas... meus ex-maridos não. Isso ajuda um pouco, não acha?
- Eu era o seu confidente.
Amanda não esboça nenhuma reação ao que ele acaba de dizer.
Mario Marcio sorri meio sem jeito.
Amanda pisca para ele.
Ele passa as mãos pelo cabelo.
- Não esta com medo, esta?
- Medo?!
- É.
Mario Marcio fica parado um tempo, como que a processar a informação.
- Ahhh, mas é evidente que sim. Sabe que até nós dentistas temos medo de ir ao dentista.
- É sim. Você ainda trabalha como dentista?
- Sim - Mario Marcio passa as mãos em seus cabelos e tenta enxugar o súbito suor que desce de seu rosto.
Amanda pega um lenço de papel e passa na testa dele de modo suave e comenta - Estou sem dentista...

Mario Marcio a interrompe, como que a saber o que vai falar e responde de modo entusiasmado – - - Eu cuido de você e você cuida de mim.
- Você ficou bem de rabo de cavalo.
- E você esta bem mais magra.
- Mentiroso.
- O brinco é que eu acho que vou tirar. Não tenho mais idade para isso.
- idade...
- É... O que ia dizer mesmo? “Idade...” Complete a frase.
- Você disse que vai fazer a revisão em meus dentes.
- Foi isso que eu disse. Cuidadmos um do outro. O que ia dizer sobre idade?
- Tem algum grilo com idade, bicho - pergunta Amanda sorrindo e piscando para ele.
- O tempo não foi generoso comigo assim como foi com você.
- Ah, para, vai.
 - É sério. Você ficou mais bonita ainda.

De um instante para outro parece que recuperaram algo que no entanto nunca existiu. Pelo menos não da forma que agora se apresenta. É a mesma relação e com algo mais, uma atualização de uma potência que sempre existiu na relação deles.  
- Nunca disse que eu era bonita.
- Eu?!
- É!
- Nunca disse isso...?
- É!!!
- E precisava dizer?!
- Precisava.
- Mulheres. Quem entende vocês? Eramos confidentes e mesmo assim...
- Mesmo assim o quê?
- Você nunca me deu bola na faculdade, Amanda. Eramos só confidentes.
Amanda subitamente fica séria- Abre a boca. Bem grandão.
- Nem parece que o tempo passou tão rápido.
- Tempo não existe – falam os dois ao mesmo tempo.

Amanda sorri e Mario Marcos abre a boca. Na madrugada de ontem para hoje, ela leu o que escreveu para ele e jamais chegou a enviar.

Um Conto de Dentistas de Wanderson Silva de Souza.

Nenhum comentário: