sábado, 7 de novembro de 2009

A Heroína do Erê-mita e Sobre o Que Mais Importa



Quem me contou esse relato foi o Erê-mita:


A jovem mãe e sua criança de colo chegam no ginásio. As cadeiras seguem uma inclinação vertiginosa que parecem nos puxar para baixo. Quem sofre de labirintite é bom segurar firme na barra de apoio que alias não é lá muito confiável. Mas será que esse comentário vem justamente de quem tem labirintite?!
Humm... mas, voltando a essa jovem mulher, a subida não foi muito fácil para ninguém, menos tranqüila ainda para quem segura uma criança de colo.
Os espaços entre as cadeiras são estreitíssimos.
E, por esse motivo, ela, a mãe, teve que pedir que um estranho segurasse o filho dela para que ela fizesse o movimento acrobático de ascender a fila correspondente de seu ingresso.
O marido dela estava por perto, no ginásio ao lado, assistindo a virada do time do coração dele.
- Ele é louco pelo Homem Aranha – fala a moça a respeito do filho dela.
Houve tempo que conheci uma criatura que penava em filas de cinema, num distante bairro do planeta Terra. Só para que o insistente filhote dela assistisse as matines dos Trapalhões e do Tom e Jerry.
Já ouvi falar de mães que carregam seus filhos em bolsas ou nas costas ou na frente. Algumas das espécies humanas e também das espécies dos cangurus.
Mas... a despeito do herói da cidade-maça zero graus, que sempre se atrasa, em suas histórias, na cidade-banana quarenta graus ele também se atrasou.
- Estou doida para esse Homem Aranha acabar – falou essa moça e mãe já na segunda parte após o intervalo.
Não, ela não foi ao banheiro. Muitos foram, e os banheiros tem apenas uma privada e uma pia em cada um deles. E...
Bem... para sair da cadeira, um homem de cabelos grisalhos fez um movimento complexo, se elevando para trás, apoiando numa barra de ferro, para passar ao degrau dos banheiros. Nos tornamos homens aranhas.
E, quem tinha “pinos e placas” nos pés (calcanhar de Aquiles) não podia fazer por menos e se motivou a fazer o mesmo. Homens Aranhas, he, he...
Mas a mulher não. A mulher não foi ao banheiro. Com uma criança no colo ficaria difícil. Hummm, mas ela podia dar uma “irresponsabilidadezinha básica” deixando o filho com alguém e ir ao banheiro. (Nota para aqueles mais apressados em tirar conclusões de textos ainda em desenvolvimento: Isso foi um comentário irônico.)
Pois bem, o sorvete estava cinco reais. No trem é cinqüenta centavos.
E alguém que assistia ajudava a passar o picolé para o freguês e o dinheiro para o sorveteiro – Depois dessa idade virei atravessador.
- A gente tem ser tudo nesse lugar – comenta bem humorada, a mãe do menino, em seguida ela observa que o sorveteiro esta cansado.
- Ah, mas estaria muito mais tenso se estivesse trabalhando lá no jogo – aquele em que o marido dela estava.

E, porque será que os preços são super caros nesses eventos?
Hipótese 1 – Porque tem que pagar um “tributo” à casa, à produção do evento, ou à ambos?
Hipótese 2 – Porque se imagina que lá só tem “gente que pode”? Gente que pode, na expressão de nós antigos é “gente remediada” ou seja , classe média.
Hipótese 3 – Porque na realidade quem esta lá só tem a opção de comprar lá?
Eu levei biscoito e banana.
A pipoca de 4 reais é um desaforo. Em casa faço pipoca. Mas o espetáculo sim, é algo que não reproduzo em casa.

E porque será que parece frivolidade falar de entretenimentos quando há tantos problemas existênciais??? E porque será que parece “frescurinha” de eco-roqueiro inglês, falar de existencialismo e fragilidade humana quando tanta gente passa fome?!
Porque será que se pensa que um assunto exclui outro e que não há lugar no Espaço Público para tais digressões?
Não é para ser feliz que nós queremos comer e ter dinheiro e ter emprego e lugar e voz no mundo???
E a luta pela sobrevivência, por melhores condições de trabalho, acesso à educação popular, a saúde publica digna são apenas pré-requisitos para a verdadeira Vida que cada um de nós quer experimentar, cada qual ao seu gosto e temperamento, lógico.
Na verdade, o importante mesmo são essas questões que agora levantei nessa crônica: As dos entretenimentos.
Os grandes debates sociais, políticos e econômicos são na verdade condições que devemos visar para sim, irmos ao mais importante.
É como dizer que descascar o limão é mais importante que beber a limonada. Não É. Apenas é condição sem a qual não se pode beber uma limonada.
Os debates sociais de fundo e densos não são mais importantes que um bom espetáculo com a família num sábado. Mas sem esses primeiros, não chegamos nem na sobrevivência do corpo, e que dirá em termos diversão e arte.

E, voltando a mãe e seu filho.
Ela quase não assistiu ao espetáculo. Dava suco na mamadeira para o pequeno ser. Pequenos seres são impacientes e requerem atenção.
- Olha lá, filhinho, o Homem Aranha...
Tentando fazer com que o filho parasse de chorar. Ele chorava por desconforto, tédio e também porque nós humanos choramos mesmo. É coisa de bicho-homem.
Quase não assistiu ao Homem Aranha, não foi ao banheiro – Só vou saber o que é banheiro na casa da minha sogra, depois que isso aqui acabar.
E quase que ela não teve registro dela com seu filho para sua posteridade – Meu marido vai ficar chateado de eu não ter tirado nenhuma foto.
Era dificil ela manusear a maquina fotografica, a bolsa, a mamadeira e o filho, naquela cadeira apertada.
Ela tinha que ser uma mãe-aranha, com oitos membros para dar conta do recado. E acontece que ela não era. Era apenas humana, como se isso já fosse pouco.
O Erê-mita observou que alguém ofereceu-se para tirar a tal foto.
- Quer que eu tire uma foto sua com seu filho?
- Quero sim, “brigada”.

E, sabem porque a mulher não pediu para ninguem segurar o pequeno ser dela para que ela pudesse ir ao banheiro???
A resposta eu dou parafraseando Tio Bem (tio do Peter Parker): “PEQUENOS SERES TRAZEM GRANDES RESPONSABILIDADES”.
Dedico essa crônica a essa moça e mãe. Eu fui assistir o Homem Aranha ao Vivo e sentei ao lado de uma heroína.

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