quinta-feira, 25 de novembro de 2010

MARCELA

Chegou tarde em casa.

Olhou por entre os lábios de suas ideias. Suas ideias são lábios que devoram toda informação de sua mente e as expulsam de modo atabalhoado.
Todos dormem no chão. Parou e pensou.
O mundo parecia se esvaziar lá fora. Um mundo escuro, silencioso, com feras na espreita.
Aqui dentro é quente e abafado.
Abre a janela e sente o frio da manha entrar pela sala. Todos dormem.
Pega da garrafa térmica e bebe café frio. A maquiagem de trabalho ainda esta um pouco em seus lábios. Vontade de acordar alguém e falar muito, muito e muito.
Animação de festa cansa. Mas não um corpo jovem. É o que tenta pensar para iludir seu corpo de que ainda tem forças para ganhar as ruas mais uma vez.
Despedaça um pedaço de pão com os dentes e sai porta fora comendo uma banana prata e a lua prateada ainda teima em espiar lá de cima.

Voltou para a rua.
Menos de uma hora depois, a mesma rua não era mais escura e silenciosa. Vê uma mulher bem vestida falando ao celular e se equilibrando pela linha do trem com seu salto alto. Essa mulher é assistente social e tem dois empregos: Vendedora em loja de shopping e faz salgados, em casa, para festas. Só não conseguiu ainda trabalhar como assistente social.
Lembra-se das crianças com a qual trabalhara faz poucas horas atrás. Tinham em torno de quatro anos e fôlego infinito.

Senta-se no meio fio da calçada. Só o despachante esta lá. Chega um garoto bem grande e de pouca idade.
- Esta indo para a pizzaria?
- Não, agora eu trabalho numa firma de informática.
- Concertando computador?
- Não, pegando eles na casa dos fregueses, levando para a firma e depois levando de volta.
- Isso é trabalho para mulher?
- Menino, qualquer trabalho é trabalho para quem precisa de trabalho.
- Ah, tá, to ligado.

SILÊNCIO

Ficam olhando para o mundo frio e estranho.
Vento e a claridade do sol que vai aos poucos chegando.

Um cachorro para diante deles e começa a olha-los.
O cachorro rosna e a mulher retruca – Ah, não enche.
O cão para de rosnar. Deita-se e fica quieto. Talvez esteja mais cansado do que ela.
A jovem olha para o céu e vê urubus voando em formações ridículas e ensaiadas. Sente comoção pelo cão, volta seu olhar para ele e estende-lhe as mãos. O cão se aproxima e ela faz-lhe carinho.

O garoto olha para a mulher jovem e encontra um jeito de quebrar o SILÊNCIO.
- Tem jeito com cachorro.
- É, tenho.

Os dois deixam o assunto morrer de novo. Uns segundos se passam. O garoto olha para o outro lado. O cachorro se deita ao lado dos dois calado. O garoto olha de novo para a mulher e fica sem graça quando esta o encara. Ela sorri e o garoto indaga - Vai fazer aquelas brincadeiras esse ano com a gente?
- Porque quer saber?! Você tinha dito que não é mais criança.
- Aquilo foi porque tava na frente da turma, não queria ser zoado.
-Humm, táaaa - faz expressão de enfado - Não sei se vou fazer esse ano de novo.
- Você faz isso de trabalho, né?
- Não vou fazer mais não. É chato.
- Ué, você gosta de criança.
- Gosto, mas animação cansa muito.

Chega uma Kombi.
- Olha, vou pegar essa van, acho que meu ônibus teve algum problema. Fica na boa, Juninho – diz isso e se levanta fazendo sinal para a van.
- Acho que vou experimentar um baseado essa semana.
- Porque – pergunta assombrada a jovem.
- Ah - o garoto dá de ombros e retruca com ar brasê - Geral fazzz.

Marcela fica parada ali. O cara da van pergunta se ela vai subir.
Ela faz que vai se sentar de novo e indecisa pergunta ao despachante - Eí, o ônibus não vem? Esta muito atrasado, o horário dele é cinco e já são quase cinco e meia.
O despachante responde com impaciência – Não sei não. Estava acontecendo uma confusão, uns carros sendo queimados... ouvi no radio.
- Onde?!
O despachante não responde.
A jovem olha para o garoto.
O cara da van pergunta de novo se ela vai entrar.
- Pode ir, vou esperar o ônibus.
- E aí, Juninho, mó saco a lavada que o Flamengo tomou nesse sábado.
- Ih, podis crer.

Ficam conversando no meio fio da calçada e quem acredita que essa moça não vai mais trabalhar com crianças é porque não compreende as contradições da natureza humana.

Assinado: Wanderson Silva de Souza

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