quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Multitude

Andava perdida em seus pensamentos. O TEMPO tinha se esquecido dela. Olhava tudo a sua volta e via homens de ternos pretos circularem indiferentes. Homens com suas pastas executivas, celulares e óculos escuros. Não sentia vida nesse mundo. Tudo era desamor e sentia vontade de gritar para todos que o mundo precisava ser salvo.



Um dia, quando o TEMPO JÁ TINHA RETORNADO DE SEU ESPAÇO INFINITO, Carla se olhou no espelho e ajeitou seu vestido. Correu para o lap top e verificou que a planilha já estava anexada. Clicou em enviar. A portaria do hotel ligou avisando que o seu taxi já tinha chegado. Colocou seu óculos escuros e desceu apressada e indiferente pelo elevador. Entrou no taxi indiferente, com seu terninho cinza, seus óculos escuros. Depositou sua pasta executiva em seu colo e ligou seu celular.


As fotos de Reginha ainda estavam um pouco nítidas. Sua melhor amiga com quem cumpunha sambas fortes e vigorosos. Suas dores de pobre e pessoa sensível ainda produziam sambas. Só que eram sambas desiludidos e natimortos que ainda na alma de Carla sabiam que iam direto para algum Hd Hipo Codic, o Mestre dos Dados que agora era a novidade mais quente da Grande Rede de Informações Quânticas.
Para Carla, o Hd Hipo Codic serve como a gaveta dos anos 80 do século Vinte.


Carla se viu uma empresaria que podia mover o mundo e surfar pelas possibilidades pré-estabelecidas.


Carla é também uma mulher que bebe vinhos falsos, sonha com a volta da menina que antes perdia-se em seus pensamentos.

A empresaria não. A diretora de MARKETING Carla era feliz. As vezes, quando o sexo era bom demais e dava vontade amar aquele estranho da vez para além de seu corpo e mente, ela se sentava de camisola na varanda de seu apartamento, em frente ao mar e compunha boa obras com poesia que valiam a pena e pareceriam legitimar sua existência no mundo. Aí tinha medo: “Sou sensível ainda!” Temia voltar a ser aquela menina que andava perdida em pensamentos. Sentia pavor daquela que olhava tudo a sua volta, exilada do TEMPO e que sabia que o mundo precisava ser salvo. Então ligava para seu número de salvação: O cara que lhe trazia secretamente “esquecimento” para ela se desligar do mundo. E Carla só consegue amar alguém até o ponto de uma boa conversa sobre Modernidade e Antropologia Evolutiva num Café Literário da Moda e dos gemidos subsequentes que davam fim a mais um encontro com um perfeito cavalheiro.


A vida de Carla, uma mulher anacrônica, ainda figura fácil de eventos góticos, rituais de bruxaria Wicca diante da fogueira em alguma cidade-sonho na região serrana, era sempre a mesma felicidade parada e revolucionário-espiritualista enquanto intencionalidade.


A vida de Carla, essa executiva que decide qual sambista biscoito fino era o artista da moda das cabeças pensantes, era sempre a mesma felicidade agitada e de uma riqueza reflexiva-filosofica enquanto artigos e convites para eventos da elite clássica artística que quer pensar um Brasil novo mais justo.

A garota que anda perdida em seus pensamentos QUER e VAI mudar o mundo.
Quisera uma dessas Carlas futuras avisar essa menina que ela será uma delas:
Ou a bem sucedida que finge ser uma pensadora.
Ou a pensadora que finge ser bem sucedida.
Enquanto essa menina estiver perdida em seus pensamentos, nenhuma dessas Carlas... nenhum de seus possíveis futuros sombrios irá atingi-la com seus espinhos disfarçados de “visão realista da vida”.

Essa menina não correrá o risco de ser pensadora ou bem sucedida enquanto estiver perdida em seus pensamentos. Sua força esta no pensamento que ainda não se formou e no sucesso que ainda não se materializou.
Enquanto Carla estiver perdida, inacabada e em construção, ela estará salva de ser uma Carla morta em vida pelas suas ações vitoriosas ou uma Carla datada e saudosa tentando atualizar seu futuro idealizado do passado por meio de seus pensamentos feitos de teimosia amarga e soberba.

Andava perdida em seus pensamentos e esbarrou em Regininha.
- Regininha.
- Carla, esta no mundo da lua, como sempre.
Carla ri e volta a pensar. Mas pensar em quê?
Regininha passa as mãos em seus cabelos – O produto que você me emprestou não prestou pra nada. Prefiro o meu condicionador mesmo.
Carla muda de assunto - Eu acho que vou viajar com o pessoal lá da Terra Mística.
A “Terra Mística” é um conhecido espaço de eventos musicais geralmente voltados para o universo gótico e outras tribos amigas tais como punks, nerds, skatistas. Acontecem lá também muitos eventos voltados para o universo das Histórias em Quadrinhos.
- Você já pensou no que vai falar lá na sua casa?
- Minha irmã vai comigo. Por isso minha mãe vai deixar.
- Puxa, isso não é legal.
-É, eu sei – um silêncio se faz presente de modo ensurdecedor, quando pombos voam de modo escandaloso acima da cabeça delas.
Carla tenta motivar a amiga – Não pense que dessa vez ela vai atrair a atenção de todos os carinhas da Terra Mística. Das primeiras vezes ela fez sucesso só porque era novidade.
- Sei, sei - responde Regininha sem acreditar muito.
- E aquele jeito hiponga dela não cola...
- Você que pensa. Ela lê carta, tá? Essas coisas esotericas faz sucesso com o pessoal.
- É, mas sem ela, minha mãe não libera. Já foi difícil ela deixar mesmo indo a Silvia. Meu pai é que deu uma força para convencê-la.
- Tá, tá...


Carla chega numa casa de pedras. Um lugar com muito estilo. Uma mulher vestida elegantemente de preto espera na entrada da varanda. Carla estaciona o carro e olha para a irmã.
- Silvia, onde esta...?
- Mamãe esta bem - tranquiliza a irmã.
- Bem...?! Eu duvido! Para você me chamar, ela só pode estar muito doente - Carla se acostumou a esperar o pior para não se decepcionar depois com os resultados.
- Veja por você mesma, Carla.
Carla se aproxima da sala. A sala esta em penumbra. Velas coloridas iluminam uma mesa. Sua mãe, uma senhora de aproximadamente setenta anos, esta sentada a mesa com um senhor aparentando ter mais ou menos a mesma idade que ela.
- Carlinha, meu anjo  a mãe a recebe com um sorriso radiante. 
O velho senhor se levanta e sorri de modo generoso. A sala parece transbordar alegria e vida.
- Esse é o Dante. Dante, essa é a Carlinha.
Carla olha de cima à baixo o homem de estatura mediana, porte ereto e elegante, camisa polo, calça jeans e tênis. Ele se veste com classe e ao mesmo tempo sem muita formalidade.
Na mesa, ornamentada com pequenas estatuas de gnomos, com uma toalha branca, um pequeno vaso de planta, um incenso, uma vela e um copo com algua. E todos esses quatro elementos circundando um jogo de Tarot aberto.
Silvia passa os braços pelo ombro de Carla e fala com entusiasmo - Dante foi meu professor de clarinete.
A mãe fala – Ele se revelou um grande amigo. Silvia e ele descobriram que tem em comum o gosto pelo Tarot.
Carla sorri tentando disfarçar o misto de enfado e desaprovação.
A reunião prossegue a tarde inteira com vinho chileno de ótima safra. Todos estão mais descontraídos. E é nesse momento que a mãe, cujo nome é Madalena, tenta falar algo mais serio, porem Carla interrompe.
- Tenho que ir, mãe.
- Você tem é que ir para o seu quarto – e prossegue de modo terno, ainda que firme - Ficou louca se acha que vou deixa-la dirigir depois de duas garrafas e meia de vinho.
- Eu chamo um taxi – Silvia da um pequeno cutucão em Carla.
Carla abaixa a cabeça, coloca as mãos na testa, respira fundo e levanta de novo a cabeça se esforçando para sorri – Esta certo, meninas. Sou voto vencido, duas contra uma.
Carla não consegue disfarçar o desconforto diante de Dante. No dia seguinte, Carla conseguiu sair o mais cedo possível para não ter que se despedir pessoalmente de todos. Dexou apenas um bilhete em cima da mesa. 
Dirigindo o carro, Carla pensa e não se da conta de quê na verdade ela tem inveja da mãe dela.
Madalena encontrou um novo amor numa fase em que geralmente se espera que as pessoas estejam aposentadas da vida. O pai dela quando morreu faz tempo e Carla não imaginava que a mãe dela, que sempre foi tão retraida e acomodada, iria embarcar numa nova relação amorosa. E agora, Madalena, sua mãe, conhece esse amigo da filha. Dante é um homem fascinante, ela tem que admitir. É advogado, já foi pastor evangélico, porém largou o sacerdócio devido a uma crise existencial que acabou motivando-o a cursar Filosofia e a estudar Holistica e retornar à sua antiga paixão: A música.
Esse retorno à música fez com que ele conhece Silvia e esta o apresentou a sua mãe, a Madalena.
Madalena acabou por convidar Dante a participar com ela de aulas de Yoga num clube do bairro e a aproximação foi inevitável quando tiveram chaces de perceber as afnidades que eles tinham entre si.
Sua mãe se revelou um ser capaz de amar. Carla porém, aos quarenta e cinco anos, se sente tão distante de uma relação desse tipo. Sua vida sexual seja ativa sim. Amor, porém passa bem distante de suas prioridades.  
A felicidade da mãe atingiu Carla como um tijolo em sua cabeça.

Em seu apartamento pequeno e abafado de Copacabana, a hiponga anacrônica Carla se lembra do dia da viagem com os góticos para a pousada chamada "Terra Mística". Suas lembraças se misturam entre suas letras de música que ela cria. Mùsicas que ela um dia espera serem reconhecidas anos no fututo, após sua morte. Foi assim com os grandes gênios sensíveis. Eles nunca foram reconhecidos em vida.
No dia da viagem todos estão se preparando para pegar o ônibus. Carla chega com Silvia.
Andaram a cavalo. Foram ao rio. Visitaram lugares perdidos no tempo. E na noite anterior ao dia da partida, Silvia estava deitada sorridente, como sempre costuma ser. Carla chega no alojamento.
- Carlinha, esta chateada comigo?
- Viu isso no Tarot?!
- Ahá, você debocha disso, eu sei. Olha, sou sua irmã. Eu te conheço.
- Não estou chateada não, Silvia.

Carla olha a foto de Regininha e se lembra de muitas décadas atrás, quando ela viajou com sua irmã e...
Carla é uma pensadora. Ela agora pensa que tudo que ela se tornou até aquele momento foi fruto de suas escolhas e uma delas foi ter sido sincera e ter respondido para sua irmã a verdade de seu coração. Em que ponto ela começou a vomitar as verdades de seu coração e começou a magoar, espantar, irritar todas as pessoas de sua vida?! Teria sido nesse dia? Nessa viagem com para a pousada Terra Mistica?

SERÁ QUE SE ELA GUARDASSE PARA SI SUAS VERDADES, TERIA SIDO MAIS BEM SUCEDIDA?!



No carro, Carla pensa se ela teria se tornado uma bem sucedida empresaria do ramo da música se ele não tivesse desde cedo a guardar consigo mesma seus pensamentos e pontos de vista e a apenas dar opiniões que fossem convenientes.

SERÁ QUE SE ELA TENTASSE CONTROLAR MENOS AS SITUAÇÕES, SUA ALMA ESTARIA ENGESSADA DO JEITO QUE ESTA AGORA???QUALQUER UMA DAS CARLAS POSSIVEIS ESTA NA CARLA. NA VERDADE, EXISTEM MUITAS CARLAS NA CARLA. E TODAS AS CARLAS SÃO VERDADE. MUITAS VERDADES NA CARLA. E TODAS AS VERDADES SÃO CARLA.




Carla são muitas. Não só duas. Existe uma Carla que sequer chegou a idade adulta. Se perdeu no meio da caminho em meio a violência da juventide num mundo ainda primitivo que não respeita a vida e seus jovens. Existe uma Carla feliz e que conseguiu conciliar suas multiplas facetas, ou ao menos pensa ter conseguido. Existe uma Carla que tenta ainda. Outra que transforma em ensaios, contos, crônicas, romances e peças de teatro, todas as suas inquitações e reflexões. Existe até uma Carla que se tornou uma pretensa bruxa e dá consultas junto com sua irmã. A multitude contempla também Carlas casadas, satisfeitas, iludidas, com muitos casamentos desfeitos e outras fazendo bodas de prata.  E nessa multitude, nos perdemos em pensamentos e quem sabe... perdidos, as Carlas e NÓS, o amor nos encontre?! Madalena não procurou e nem Dante procurou e o amor os encontrou. O amor encontrará essas Carlas que existem em cada um de nós quando estivermos PERDIDAS em pensamentos porque o Amor são pensamentos que vagam perdidos para unir as pessoas que se perderam desses pensamentos.

Assinado: Wanderson Silva de Souza.

Nenhum comentário: