Dona Joaninha estava lavando o convés do navio.
A embarcação singrava despreocupadamente pelas serenas AGUAS DOCES do Sena. Ela parou um pouco para apreciar o gorjear da cotovia. Ou Seria o canto do Tremendão que ainda ecoava em seu coração desde a vez recente que estivera em terra firme?!!!
De qualquer modo, nesse enlevo inebriante em que se encontrava sob os domínios do rio Sena, Dona Joaninha sentiu a leve brisa de Zéfiro (o Vento Oeste dos Enamorados) lhe trazer um pequeno papelzinho colorido.
O papel colou bem em seu pequeno e delicado narizinho de batatinha.
Ficou ali parada, com o papel que, meio bêbado, meio equilibrista, se refestelava em seu nariz.
Instante de nada, de um tudo que fez sentir vontade continuar ali, com o papel lhe fazendo cócegas em seu nariz. Mas seus olhos, mas impacientes e analíticos que seu nariz, quis saber quem era esse visitante.
Viraram-se os olhos lentamente para baixo e olhou, com seus olhos, o papel colorido na ponta do nariz de batatinha.
Imediatamente enviou mensagem de aviso ao cérebro e este processou os dados.
Dona Joaninha vibrou de alegria.
Sob as calmas águas doces do Sena, Dona Joaninha havia encontrado um bilhete premiado.
- Vale cem mil dólares.
Dona Joaninha pensou nas possibilidades: Cem Mil dólares, casamento.
Pensou mais ainda – Cem Mil dólares, iates, casamento.
Pensou mais ambiciosamente – Cem mil dólares, mansões, casamento.
Pensou – Cem mil dólares, limusines, casamento.
Pregou no mural do navio o seguinte convite:
EU, DONA JOANINHA, DE GÓIAS VELHO, ACHEI UM BILHETE PREMIADO NO SENA E RESOLVI ME CASAR. OS CANDIDATOS SE APRESENTEM IMEDIATAMENTE, MAS COMO SOU MUITO sensível e inspiro cuidados, NÃO PODE SER UM NOIVO MUITO BARULHENTO, SENÃO TODA NOITE VOU FICAR INCOMODADA.
O primeiro a aparecer foi o Seu Coronel Boi, direto das bandas do Nordeste.
De camisa estampada e sapatos brancos combinando com o chapéu rosa.
O Seu Coronel Boi tinha uma barriga muito grande e comia uma bananada.
De gestos largos e sorriso franco ele falou com sua voz grave – Sou seu candidato ideal.
Dona Joaninha simpatizou e sentiu um arrepio na espinha ante aquela presença forte. Ela suava forte e o aroma do boi chegava a suas narinas sem ser convidado e era muito bem aceito por estas.
Dona Joaninha perguntou-lhe se era barulhento, ao que ele imediatamente pegou de seu saxofone e tirou um som muito maneiro.
Era um baião assim, meio estranho porque ao mesmo tempo tinha uma autenticidade totalmente leal as suas raízes nordestinas. E ao mesmo tempo, o baião que saia do saxofone tinha um arranjo totalmente alienígena. Algo que nunca se ouvira antes naqueles termos e que despertava o que de mais básico e espontâneo existe em nossas almas. Renascença não ia gostar de ouvir o baião desse boi. Nordestino também não. Mas quem achar bonito vai gostar, porque afinal musica ou é bonita ou não é. E beleza é coisa muito difícil de partilhar um com o outro. Mas fácil partilhar um “baião de dois” do que a mesma opinião sobre esse ou aquele baião.
Dona Joaninha não esperou o termino e o interrompeu assustada – Um som assim, sem que eu possa saber se é brasileiro nordestino ou se é experimentalismo de músico doidão vai assustar-me todas as noites. Quero não. Lá em Goiás tem disso não. Tem disso não!!!
Foi todo choroso o Seu Coronel Boi rejeitado. Pensou em compensar essa rejeição na cozinha do navio.
Em seguida chegou o Grão Duque Leão, uma cria da região Sul do Brasil.
Sujeito garboso, de constituição física robusta e com músculos com contornos bem definidos. Deu jeito, com o pretexto de ajeitar sua camisa, de levanta-la um pouco, para mostrar seu abdome cortado no estilo “tanquinho”.
Dona Joaninha encantou-se e seus olhos brilharam ante tal visão. Seu coração palpitou.
De medo de tal sensação, Dona Joaninha foi direto ao assunto perguntando-lhe se ele era barulhento.
O Grão Duque Leão sacou de seu pandeiro e respondeu – Oxente, que eu sou é formoso, dona moça. Escute.
Algo de muito barroco tinha ali. Exagerado, nada simples.
Dona Joaninha, com raiva falou - Coisa de louco.
Em Goiás tem disso não. Tem disso não.
Vai-te daqui, seu felino convencido.
O nobre felino deu um muxoxo e um soco no vazio e saiu com passos firmes e nervosos.
Em seguida, quando Dona Joaninha já perdia suas esperanças, chegou o terceiro, que era o Doutor Águia.
Doutor Aguia, que natural da região Norte do Brasil, era uma criatura bela em seu todo seu aspecto e conjunto, mas tudo isso era eclipsado pela frieza demasiada cerebral.
Ele tinha um jeito meio ameríndio. Era calado e tinha um ar senhorial e distinto. Nariz empinado e olhos ao mesmo tempo vazios e invasores.
Dona Joaninha admirou-se do bom doutor e sábio índio da região Norte.
Ela pensa - Quem sabe se é justamente do Norte que será meu marido?
Dona Joaninha pensou muitas coisas. Sua cabeça encheu-se de expectativas.
Dona Joaninha nem precisou fazer-lhe a sua principal pergunta, pois antes disso, Doutor Águia foi pegando em seu gravador portátil e lhe mostrando seu belíssimo trabalho em piano com toques de eletrônico, muito ao estilo do funk alemão da década de 70.
E ele tocou um rock meio pesado, meio melancólico. Um rock assim meio medieval.
Constrangida, Dona Joaninha recusou - Vai me deixar triste todas as tardes. Desculpe, meu bom doutor, eu não mereço o senhor. No Goiás tem disso não. Tem disso não.
Sem esboçar reação de agrado ou desagrado, foi embora, o bom Doutor Águia, com seu mesmo ar blasé com que havia chegado.
No fim de tudo, lá pelas tantas, ficou-se sabendo que Dona Joaninha marcou casamento com Carioquinha. E não se sabe o que ele faz ou deixa de fazer.
Dona Joaninha talvez nem tenha lhe perguntado ou exigido nada além do fato dele existir.
Na manha do dia do casamento estava o Carioquinha esperando. Quem realizaria o casamento seria o Capitão do Navio.
Um cochicho se ouviu e contaram para Carioquinha a triste noticia.
Alguém vira, na vez recente que o navio tinha estado em terra firme, ou nem tão firme assim, o fato inusitado e lamentável.
Viram Dona Joaninha indo embora sozinha, dirigindo num fuscão preto, todo feito de aço.
O fuscão era feito de aço e fez o passado de Dona Joaninha em pedaços. Também aprendeu a amar.
Essa historinha é um texto teatral que foi criado de improviso, assim mesmo, no tranco,( em meia hora) em 1990, para ser o casamento na roça, da festa junina que foi realizada no bairro de Vila Valqueire, na rua das Camélias. Só tempos depois ela foi passada para o papel. Na primeira montagem dela, foi feita sem texto. O grupo de teatro Valqueire (que também foi batizado nesse mesmo evento) teatralizou o texto com emoção e à partir da ideia básica da peça. Não houve texto escrito. Combinamos como seria a peça e nos apresentamos, sem decorar nada. O caminho foi inverso do que geralmente acontece com os textos teatrais: Ele já nasceu improviso e peça e só depois foi para o papel.
O autor é Wanderson Silva de Souza, que é o blogueiro que vos escreve e que posta nesse espaço virtual.
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