quinta-feira, 24 de junho de 2010

Saneamento Básico - O Filme

Saneamento Básico se passa no inverno.




O filme “Saneamento Básico” trata do conceito de transformação, transmutação, mutação, movimento.


Transmutação é uma consequência da mutação. Mutação ou seja, mudança. Mudança pressupõe movimento. Cinema é movimento. “Cinética” é o ramo da Física que estuda o movimento. O filme é sobre personagens que fazem um filme. Esse filme, que, sendo cinema, já traz a ideia de movimento, nasceu de um movimento, de uma mutação. A ideia inicial era construir uma fossa para uma pequena cidade do sul do Brasil.


A natureza, na forma do rio da cidade, esta degrada faz anos. O rio já traz\ em si a idéia de movimento. Porém a burocracia e falta de vontade publica dos órgãos impede o fluxo das melhorias.
Em todos os aspectos a produção do filme “O Monstro da Fossa”(mais tarde rebatizado de “O Monstro do Fosso”) se assombram-se com os altos custos do filme, sempre tomando como referência os produtos que fazem parte do básico da vida cotidiana deles, tais como uma mesa, tijolos.



Tônico Pereira desmonta o argumento da secretaria da prefeitura de que não tem verba para prosseguir na continuidade da obra usando como porque a merenda escolar é prioridade. Afirma o italiano que as crianças estudam em meio turno. E afinal engordar as crianças é só para mostrar que elas tem saúde. Irônico um italiano criticar a obesidade infantil, diante do folclore dos italianos associarem a saúde das crianças ao fato delas estarem “gordinhas”.


Paulo José, o velho pai de Mariana, enriquece mais ainda o filme com seu ótimo improviso discursando em favor da proteção da Natureza.


E demonstra que é um cinéfilo “de carteirinha” dar dois conselhos para filha que fez administração de empresa. O pai, marceneiro, lhe da duas ideias: Vocês devem editar o filme; e usem um dublê no meu lugar.




Diante desse fato, gera-se uma ideia:Aproveitar a verba, que inicialmente era para fazer um filme, nas obras de saneamento. Cabe aqui uma referência tanto à musica “Comida” dos Titãs, quanto à palavra “básica” presente no título do filme.


Comida, diversão e arte é o que se pede. No entanto, não raro é obrigado a se optar entre a área de cultura e as chamadas questões básicas. Arte deveria estar presente na “cesta básica”.


O personagem de Paulo José é alguém que ama cinema. Inicialmente ele é contra à ideia da realização do filme não por desvalorizar a arte mas sim pelo fato ter que optar entre a condições de vida saudáveis e dignas ou um a cultura.


A ideia de movimento, transformação esta presente em todos os aspectos do filme. O personagem questiona para a filha se ele esta velho demais para continuar ajudando e cita o tempo em que ele era subprefeito. O passado no presente lembrando a passagem das estações ou ciclos.Ciclos da lua. Lua, que alias é o nome da personagem de Camila Pitanga. Afinal, Selene é Lua em grego.


Tônico Pereira e Paulo José que discutem e não se esquecem das divergências regionais deles em sua terra natal. Quando Tônico Pereira mostra-lhe seu carro seminovo e este fala que o carro dele ainda é do tempo do “toca-fitas”.


A lenta transformação ou ainda a lenta revelação dos personagens para nós, público. O casal Fabricio e Selene que no principio pareciam estar no verão de suas vidas e acabm esfriando no decorrer da história. E o casal Joaquim e Mariana, que pareciam estar no outono de seu casamento, se renovam enquanto amantes, amigos e parceiros de projetos, tanto os de vida quanto os de negócios. .


Os laços que ligam um personagem ao outro vão sendo revelados aos poucos. De inicio pode-se pensar que Joaquim e Mariana são irmão, mas na verdade eles são maridos e esposa. De inicio se imagina que Joaquim é um tolo, mas na verdade ele tem um força e sensibilidade interior comoventes. A filha Mariana, que absorve o perfeccionismo com a gramática que o pai lhe imprime, sempre que a corrige de seus erros de português.


O casal Selene e Fabricio que pareciam muito íntimos e envolvidos nos mostra que a relação deles tinha a consistência de um namorico.


O narcismo de Fabricio e de Selene.


A produção, direção e roteiro do casal Mariana e Joaquim. E a direção tímida e titubeante, porém esforçada de Mariana.


A participação pífia do prefeito, apenas para colher os louros da vitória e capitalizar esse feito para seu currículo de político.


A ideia do monstro como resultado de uma mutação genética nos trás as consequências devastadoras de um devir sem conscientização política, ecológica, emocional, social e cultural.


O que vemos nesse filme é um mosaico, bem construído, das transformações, algumas caminhando para a decadência e para o parasitismo e outras para a gloria, a pedagogia atuante e o empreendedorismo, nas instâncias sociais, artísticas, ecológicas, emocionais e políticas.


Tudo se passa no inverno, foi o que eu disse no inicio.


Paulo José abraçou-se num gesto de auto proteção e defesa do “eu interno”, quando soube que sua filha apareceria com “pouca roupa” no filme. Ele disse que estava frio. No inverno é o tempo de hibernação, de preparação para a eclosão de novos “ovos”(Lazaro Ramos chega a falar que sua próxima ideia envolve um ovo.) E eclosão de ovos, das crisálidas, o acordar dos ursos na caverna, na primavera, quando tudo renasce e num sentido, ora literal, ora alegórico, ora mesclados, todos renascem.


Na primavera, novo ciclo da lua, vemos o que deve ser aproveitado pelo organismo da natureza natura (rio e floresta) e pela natureza humana(cidade) como energia. E vemos o que deve ser dispensando, excretado, expulso por esse mesmo organismo como dejeto inútil.


Quando o organismo fica com o intestino preso, o esgoto entupido, essas substâncias nocivas começam a intoxicar o organismo dando ensejo que para que vermes possam parasitar o organismo. Como alguns indivíduos que perpetuam velhas praticas políticas amparados pelo continuar do que já não serve mais.


Joaquim e Mariana são pessoas de inteligência vigorosa. A cultura que lhe faltava é o de menos, uma vez que a necessidade pratica( o motor do pensamento e do sentimento) os movem em direção ao construir de soluções criativas.


Inteligência não se aprende na escola.


Na primavera, Mariana estava grávida de um bebe, no sentido literal. E mais ainda. Joaquim e Mariana estavam grávidos, no sentido alegórico, de um novo Joaquim e de um nova Mariana. Um novo homem e uma nova mulher que ambos, com muito choro, decepção, bate-boca de casal, “tempestade criativa”, companheirismo, forjaram com suas forças individuais sim e também com a força da relação deles um com o outro.


A cena de Joaquim indo vender a moto, quer nos transportar aos filmes apologias ao cinema de saudosos cineastas italianos do século XX.


Mariana revelou força hercúlea e vontade férrea: O que costumeiramente se associa, no sentido mais pobre culturalmente falando, ao gênero masculino.


Joaquim revelou desprendimento e entrega total de si para sua parceira: O que costumeiramente se associa, no sentido mais pobre culturalmente falando, ao gênero feminino.


Mariana sentia-se tão envolvida pela obra que estava gestando com seu coração, mente e braços e pernas (caminhou muito para conseguir patrocínio) que seu chegou a ser quase mal interpretada ao deita-se no ombro de Lazaro Ramos. Esta sentiu-se em êxtase e se contentamento meio que a levou de volta a infância e criou uma quase proximidade entre ela e Lazaro, que este último, sendo “homem da cidade”, portanto mais malicioso, tentou levar essa aproximação para outros desdobramento que nem de longe, passavam pela mente dela.


Sim, vivas ao feminismo inteligente e atual desse filme. Nesse filme, o feminismo também se permitiu passar por um saneamento básico e ser revisto, pois aqui, mesmo vendo-nos uma Mariana bem ao estilo “mulheres são de Vênus” no entanto um Joaquim, bem ao estilo “Homens são de Marte” Podemos afirmar que nessa história tinha uma grande mulher e que por trás dessa grande mulher, tinha um grande homem.


Não tem ali competição e jogos de poder entre Mariana e Joaquim, e sim respeito e total conhecimento da psique um do outro permitindo uma harmonia entre o casal, que nem por isso não esta sujeito a “chuvas e trovões”. A natureza também tem seus vulcões em erupção e seus maremotos e nesses embates reside também seu equilíbrio.


O filme termina na primavera e Paulo José leva o passarinho dele para conhecer uma parceira, e pode ser ver que a fossa continua.


Fossa ou fosso? Só um questão de eufemismo que faz\ toda a diferença, pois qual turista iria para uma cidade para conhecer a ambientação do monstro ficcional da fossa?


Um pouco de ilusão é necessária para a magia do cinema. Fosso é mais belo que fossa, para efeitos de estética e como uma professora no final da exibição do curta, a obra não tinha aquele ranço chato de “filme pedagógico”. Mas os eufemismos se são necessários para linguagem estética da arte, eles são bem convenientes também para os sofismas e “jogos de palavras” de demagogos de carteirinhas. (O prefeitos tinha um bordão pronto para dizer em qualquer evento, por mais diferentes que eles fossem: Obra de saneamento básico ou exibição.)


O filme também foi uma aula de como fazer cinema na pratica. ( E não esta aí nessa minha afirmação nenhuma critica direta ou indireta às escolas de cinema.)


Uma mostra de como são distintos e ao mesmo tempo interdependentes o aspecto propriamente artístico do cinema e toda a carpintaria e estiva.


Mariana e Joaquim foram artistas, operários e empresários e exerceram todos ele senão com total competência, justificável pelo fato de serem calouros no oficio, certamente foram plenos e verdadeiros em todos esses três atributos.


No fim do filme “O Monstro do Fosso” Selene(lua) é colocada como a representação humana da Natureza, bela e quase sempre maltratada. A personagem de Camila Pitanga também começou a sentir que ela não tinha seu potencial e sua beleza valorizada.


Filme de rara beleza. Se é para colocar em alguma prateleira de gênero, eu não diria que é propriamente uma comédia, embora faça rir, divirta. E o ator que fez Joaquim já comentou, se não me falha a memória, numa recente entrevista concedida ao Lobão, que os filmes tem que se libertar dessa necessidade de só falar de coisas fortes, feias e “carracundas”. Esse filme conseguiu falar dessas coisas todas e foi compreensível, divertido, leve a ainda por cima falou de amor, de pai-filha, de marido-esposa, pela arte, pela natureza e de relações humanas.


VIVA A NATUREZA!


VIVA O CINEMA!


VIVA AS AÇÕES AFIRMATIVAS!


VIVA O MARAVILHOSO SER HUMANO!


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Um comentário:

Dinair Fonte disse...

Fiquei com vontade de assistir ao filme, Wanderson.
Muito obrigada pelos comentários no meu blogger, viu?
Beijo grande.