Quando uma criança me faz uma aquelas perguntas metafísicas fundamentais que vem à cabeça de todas as crianças: “De onde veio o mundo?” “Por que razão Deus fez o mundo? “Onde estava eu antes de nascer? “Onde vão as pessoas quando morrem?” Vez após vez, tenho verificado que as crianças parecem ficar satisfeitas com uma história muito simples e antiga, que é mais ou menos assim:
Nunca houve um tempo em que o mundo começou, pois o mundo dá voltas e voltas, como um círculo, e o círculo não tem ponto algum de especial onde começa. Olhe para o seu relógio, que diz o tempo; o ponteiro também dá voltas e voltas, da mesma forma como o mundo se repete sempre, dando voltas e voltas. Mas, tal como o ponteiro sobe até o meio-dia e, depois, desce às seis horas, também há dia e há noite, também há o sono e o despertar, viver e morrer, verão e inverno. Não é possível ter uma destas coisas sem ter, também a outra – pois não seria possível saber o que é preto se o preto não tivesse sido visto ao lado do branco, ou o que é branco se este não tivesse sido visto ao lado do preto.
Dá mesma forma, há períodos em que o mundo existe e momentos em que ele não existe, pois se o mundo continuasse sempre dando voltas, sem nunca descansar, ficaria horrivelmente cansado. Assim, vai e vem. Por vezes, podemos vê-lo e, outras, não. Mas, como ele não se cansa de si mesmo, volta sempre, depois de desaparecer. É como a nossa respiração: o ar entra e sai, entra e sai – E quando procuramos parar de respirar, sentimo-nos mal. É também, como o jogo de esconde-esconde, pois é sempre divertido encontrar novas formas de nos escondermos e de procurarmos alguém que não se esconde sempre no mesmo lugar.
Deus também gosta de brincar de esconde-esconde, mas como não há coisa alguma fora de Deus, ele só pode brincar consigo mesmo. Contudo, ele passa por cima dessa dificuldade, fingindo que não é ele mesmo. Essa é a maneira que ele tem de se esconder de si próprio. Finge que é você e eu e todas as pessoas do mundo, todos os animais, todas as plantas, todas as rochas, todas as estrelas. Desta forma, tem estranhas e maravilhosas aventuras, algumas delas terríveis e assustadoras. Mas estas são apenas como pesadelos, pois desaparecem quando ele acorda.
Agora, quando Deus brinca de se esconder e finge que é você ou eu, esconde-se tão bem que demora muito tempo a lembrar-se de onde e como se escondeu. Mas essa é a parte mais divertida – trata-se exatamente do que queria fazer. Não quer encontrar-se demasiado depressa, já que isso estragaria o jogo. É por isso que é tão difícil, para você e para mim, descobrirmos que somos Deus disfarçado, fingindo que não é ele. Mas quando a brincadeira já durou muito, todos nós acordamos, paramos de fingir e recordamos que somos todos um só ser – o Deus que é tudo aquilo que existe e que vive para sempre e sempre.
É claro, você tem de recordar que Deus não tem o aspecto de uma pessoa. As pessoas têm pele e tem quase sempre alguma coisa por fora de sua pele. Se não tivessem, não saberíamos qual é a diferença que existe entre o que está dentro e fora de nossos corpos. Mas Deus não tem pele ou forma, pois não há coisa alguma fora dele. (Com uma criança suficientemente inteligente, costumo ilustrar isto com uma fita de Möbius – um anel de fita de papel torcida de tal maneira que fica com apenas um lado e uma borda.) O interior e o exterior de Deus são iguais. E, apesar de estar falando de Deus como “ele” e não “ela”, Deus não é um homem ou uma mulher. Também não posso dizer que é uma “coisa”, já que, geralmente usamos uma palavra para algo que não tem vida.
Deus é o ser do mundo, mas você não pode ver Deus, pela mesma razão que não deixa você, sem um espelho, ver seus próprios olhos; da mesma forma, também, como você não pode morder seus próprios dentes ou olhar dentro de sua cabeça. Seu ser está escondido muito inteligentemente porque é Deus escondendo-se.
Você poderá perguntar porque razão é que Deus, por vezes, se esconde na forma de pessoas horríveis ou finge ser pessoas que sofrem doenças graves e grandes dores. Pense, primeiramente, que ele só está fazendo isso a si próprio, não a outra pessoa. Recorde, também , que em quase todas as histórias de que você gosta tem de haver gente ruim e gente boa, pois a emoção da história é descobrir como é que a gente boa vai levar a melhor sobre a gente ruim. O mesmo acontece quando jogamos cartas. No começo do jogo, misturamos todo o baralho e as cartas ficam numa imensa desordem, que é como as coisas ruins do mundo, mas a intenção do jogo é voltar a ordenar as cartas e acabar com essa desordem, e aquele que o fizer melhor será o vencedor. Depois, voltamos a embaralhar as cartas e jogamos uma vez mais – e é isso que sucede com o mundo.
(Alan Watts – Tabu: o que o impede de saber quem você é )
Um comentário:
indiscutivelmente,"TABU_OQUE O IMPEDE DE´SABER QUEM VOCÊ É",é um dos livros mais importantes de Alan Watts.Nele,o autor revela um tabu mais profundo do que os tabus religiosos e sexuais,que nos impede de saber quem realmente somos,e que molda nossa vidas mais do que qualquer outro tabu.Os livros desse autor são maravilhosos,sérios,embora em linguagem acessível.Vale a pena procurar lê-lo.
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