terça-feira, 12 de junho de 2012

CASA DE MARIMBONDO


A menina caminhava com a bolsa rente ao peito como numa atitude defensiva. Os braços a protegiam num abraço apertado em si mesma. Chegou titubeante e se sentou na cadeira da última fila, no canto da janela. A sala estava vazia. Foi a primeira a chegar.
Olhou pela janela e viu as pessoas lá embaixo. Pareciam forminguinhas. Rose se sentia segura daquela posição, como se pudesse observar a todos em segurança, sem ser vista, sem ser importunada.
Apoiou seu cotovelo na janela e ficou a apreciar o vento a lhe acariciar o rosto.
- Os lideres somos todos nós, somos nós, os autores de nossa própria peça de teatro.
Rose olha assustada e vê diante de si um homem barrigudo, baixo, com um cavanhaque tão indecorosamente desalinhado e confuso quanto era seu discurso. Ele falava isso enquanto escrevia.
- Você esta falando sozinho – pergunta-lhe sorrindo Rose.
- Estou redigindo um manifesto.
- E...?

- Nem sei se vou publica-lo. Me pediram isso. Eu disse não, mas agora comecei a pensar no assunto e meu deu vontade de escrever.
- Legal. Posso ler.
- Não.
Rose fica constrangida.
- Quer dizer, sim. É que eu não vou publicar...
- Ué.
- É que comecei a pensar no assunto. Acho que meu pensamento merecem ser registrados em escrito, mas... Bem, pelo menos só para mim.
- Humm, sei, sei...

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“Lucia é profundamente tímida, de uma timidez de dar dó. Uma timidez que a faz se parecer um bicho do mato, acuada, intimidada. E, isso só por alguns minutos. De súbito, toda sua introspecção desaparece para dar lugar a uma maquina de questionamentos e analises. Ela sorri e seu sorriso é quase sempre constante e delicado.”
 No Baixo Uerj Mauricio termina de ler a sinopse do roteiro de seu amigo Sebastião.
- Cara, essa aqui é a Rose.
- Como você... eu, heim? Não viaja, cara.
- Ah, tá – vira-se para o garçom - Mais uma aqui, Fininho.
Fininho anda de lado, como sentindo dores nas pernas. Uma moça lhe puxa pelo braço de modo brusco – Qualé, Fininho? Tô te chamando faz horas, cara?
Fininho olha para a mesa do banda Pirulito Psicodélico faz expressão de dor. Ele solta seu braços das mãos da moça e responde para ela, sem olha-la – Já vou, Sinome.
Na mesa de Mauricio, chega Lucas.
- Aqui, Lucas.
- Eu já li a sua sinopse, cara.
- Mas essa é nova.
- Essa não é sobre a Rose?!
- Não, e a mesma.
- Ah, tá.
Mauricio da um risinho.
- Eu já li.
- Não, quer dizer... eu sei, mas essa é a versão revisada.
- Tá legal, cara.
Mauricio solta uma estridente gargalhada.
Lucas fala para Sebastião - Faz meses, sei lá, meses... antes desse semestre, cara. Parte pra outra, vira a página.
- Ele não escreve roteiros que nunca termina e não sabe virar a página dos rolos dele.
Sebastião se levanta da mesa aborrecido.
- Senta aqui, Sebastião.
- É Sebastian.
- Ah, que seja, tanto faz, rapaz. Senta aqui, deixa de ser cabeça quente.
- Vou lá pra dentro do bar assistir o jogo.
 Na mesa da mulher grosseira, Simone continua com sua falação sem fim, sobre sexo, poesia e revolução.
- Fininho, cadê a minha cerveja? Cara, caracaaaaa, não é possível, não acredito.
- Calma, Simone – fala Rose que acaba de chegar.
- Aí, Simone, senta aí.
- Não, valeu. Vou lá na outra mesa falar com o Lucas sobre o manifesto.
E, na mesa de Lucas e Mauricio.
- Como foi isso mesmo?
- Entre eles??
- É.
- Cara... foi assim, não tem mistério. Ele foi mordido por marimbondos. Saca? Tinha uma casa de marimbondos lá perto da barraca do Paraguaio, lembra?
- Tô ligado.
- Pois é, essa casa não existe mais, porque o Sebastian  num de seus surtos de revoltado contra o sistema e contra o mundo, atirou uma pedra na casa. Os maribondos foram na direção dele.
- Isso foi quando?
- No dia da matricula. Aí a Rose que era caloura, tinha acabado de fazer  matricula, passava por lá e socorreu o Sebastian.
- E aí...? Ele comeu?
- Comeu quem?
- Oi, Rose, estou aqui falando do Cavanhaque. Ele traçou a Simone.
- Rose da um sorriso e fala – Você quer dizer que a Simone traçou o Cavanhaque, né? Ela não perdoa ninguém.
Lucas fala logo na lata – Ó, Rose. Estavamos falando de você e do Sebastian.
Sebastião chega e vê Rose.
- Olá, Rose. Olha só, gente, tenho que acordar cedo amanha. Vou deixar cinco aqui para a cerveja, valeu?
- Tchau, Sebastian.
- Você é a única que me chama de Sebastian. Até mais, Rose.
Rose fala com Lucas – Po, gente, vocês só não chamam ele de Sebastian porque?

No dia seguinte, na sala de aula, assim como no primeiro dia em que Rose chegou na faculdade, naquele andar, naquela sala, ela senta-se no mesmo lugar que vem sentando desde que chegou no primeiro dia, quando conheceu o Cavanquaque, o homem que fala sozinho o que escreve.
Rose se senta e fica a observar a movimentação das pessoas lá embaixo.
- Você esta sabendo que eu vou encara isso como traição, se você entra na chapa da pelega da Simone. Ela tem metade da minha idade e porém o dobro de meu tempo aqui.
- É, Cavanhaque. Tudo isso eu sei – fala isso sorrindo para ele.
O homem careca fica constrangido e até intimidado com o sorriso de Rose. E prossegue - É uma estudante profissional que usa a academia como trampolim político.
- É?!
- Vamos conversar mais sobre isso depois, no show do Picolé Psicodélico. Tá sabendo, né? Lá na concha.
- Estou sabendo – e continua a olhar lá para baixo. Ela sempre olha para o jardim que tem lá embaixo e toda a movimentação que lá ocorre.
- Você se vai fazer acordinho?
- Com a Simone?! Não seja bobo. Pare de fazer acusações sem saber de todos os fatos. Você esta mexendo em casa de marimbondo.
- Eu sei disso.
- Mas, por outro lado – Rose olha para o jardim, onde antes tinha uma casa de marimbondos – nem sempre é tão ruim mexer com quem tá quieto. Tem vezes que só alcançamos algo se num surto, acabamos por mexer em casa de marimbondo.

Autor: Wanderson Silva de Souza.      

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